Uma pequena viagem pela Historia de Portugal
Roteiro para dois dias!
A região demarcada pelo Rio Mondego fica localizada na zona centro de Portugal, sendo Coimbra a principal cidade da rota. Como nós vivemos perto desta região consideramos que seria interessante elaborar um roteiro histórico, percorrendo aqueles que foram os elementos defensivos da antiga fronteira do reino de Portugal.
Este é um dos nossos Passeios de Alcatrão pela zona centro que nos é mais familiar e, foi elaborado mediante a nossa experiência pessoal. Sugerimos que dividam este passeio por dois dias para que seja mais proveitoso.
Vamos falar um pouco da Linha Defensiva do Mondego!
A Linha Defensiva do Mondego era uma zona de fronteira peninsular que dividia os Reinos de Leão e Castela dos seus rivais muçulmanos do Emirado de Córdoba, que desde o Século VIII que dominavam a Península Ibérica. A Linha defensora não pode ser interpretada como uma linha continua e bem definida. Trata-se da construção estratégica de vários pontos de vigia e de defesa distribuídos ao longo do rio Mondego e seus afluentes.
No século XI, a região de Coimbra fazia parte do território ministrado pelos muçulmanos, contudo a maioria dos seus habitantes eram moçárabes, cristãos que viviam sobre a soberania árabe. Após a reconquista cristã de Coimbra, D. Sesnando Davides, foi nomeado governador de Coimbra, cargo que manteve durante 30 anos.
Quem foi D. Sesnando Davides!
A tradição diz que D. Sesnando nasceu em Tentúgal e teria sido levado, em criança, para o sul da Península Ibérica, mais propriamente para Córdoba, onde cresceu e acabou por desempenhar funções ao serviço do emir Abbad II al-Mutadid, já na corte de Sevilha. A dada altura, D. Sesnando abandonou o lado muçulmano e colocou-se ao serviços das tropas cristãs, nomeadamente aquando a reconquista cristã. E foi em 1064, que D. Fernando I de Leão e Castela (apelidado de D. Fernando Magno) entregou a D. Sesnando o governo da cidade de Coimbra, assumindo o controlo de toda a região do Mondego até à sua morte. D. Sesnando teve um papel determinante na construção da linha defensiva. Aproveitou o rio Mondego e os seus afluentes , reforçou a defesa da cidade de Coimbra, estimulou o povoamento e cultivo das terras, ergueu igrejas e castelos como defesa primaria da região. Depois dele outros deram continuidade ao seu trabalho, defendendo o território dos mouros e mais tarde dos nossos vizinhos espanhóis. Nesta missão defensiva estiveram envolvidos D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, em Coimbra e Germanelo, D. Gualdim Pais ,o Mestre templário, em Soure e Pombal.
Estátua do Mestre Templário D. Gualdim Pais, em Tomar |
Pois bem, com a reconquista de Lisboa, a fronteira do reino foi deslocada para o rio Tejo, o que obrigou os castelos da linha defensiva do Mondego a adaptarem-se a novas realidades. Mantiveram o seu papel de fortaleza e de defesa e encabeçaram a administração do território unindo as populações em torno de uma ideia de rei e de reino.
Por onde começar!
Nós assumimos a cidade de Coimbra como ponto de partida para este roteiro, que poderá ser ou não uma excelente opção de dormitório, uma vez que dispõe de uma maior oferta de alojamentos com um valor simpático. Contudo tudo irá depender da zona do país de onde se deslocam. Por exemplo, se vierem de Sul sugerimos que comecem no Castelo de Pombal e terminem em Coimbra no dia 1 e no dia seguinte a restante parte da rota.
Dia 1
O primeiro dia será dedicado ao baixo Mondego, uma zona mais perto da costa e por isso muito bem reforçada.
1. Coimbra
À data da governação de D. Sesnando Davides, Coimbra era a grande cidade da região, representava um importante porto de trocas comerciais o que proporcionava algum movimento e desenvolvimento à cidade. Este protagonismo e importância estratégica justificava reforçar a sua defesa, e D. Sesnando teve este facto em consideração e reforçou o recinto amuralhado da cidade. Nos primeiros anos da nacionalidade, foi em Coimbra que se fixou a corte e a família real portuguesa. Atualmente o lugar do castelo é ocupado pela a notável Universidade de Coimbra.
Cidade de Coimbra |
Dica de Viagem: Devem seguir a direção de Montemor-o-Velho e Figueira da Foz. Atravessam o rio Mondego em direção a São Martinho do Bispo até apanharem a N341 que vos levará até Montemor-o-Velho. Em alternativa podem seguir o IC2 até Eiras e depois seguir a N111 passando por Tentúgal, a terra dos famosos pasteis. Esta estrada passa pelos campos do Mondego e tem uma paisagem mais bonita que a outra.
2. Montemor-o-Velho
O castelo de Montemor-o-Velho está localizado na margem direita do rio Mondego, na localidade com o mesmo nome, a poucos quilómetros da cidade de Coimbra. É o castelo de maiores dimensões do conjunto da linha defensiva. Apesar de este local ter sido ocupado desde a pré-história, e mais tarde pelos romanos e pelos visigodos, foram os muçulmanos quem lhe deram a verdadeira importância militar, aquando a sua conquista no ano 990. A primeira tentativa de assalto cristão deu-se no ano 1006 por Mendo Luz. Contudo, este castelo foi reconquistado por ambas as partes inúmeras vezes, até que D. Fernando I de Leão e Castela o reconquistou definitivamente aos mouros, isto após a conquista da Coimbra em 1064. Foi neste momento que o castelo de Montemor assumiu um importante papel na linha defensiva do Mondego. Em 1109 D. Teresa e o seu filho D. Afonso Henriques teriam ordenado novas reformas no castelo. No centro do recinto amuralhado, numa espécie de pódio, ergue-se a igreja de Santa Maria da Alcáçova.
Castelo de Montemor-o-Velho |
Sabiam que?
O motivo pelo qual foi construída uma primeira fortaleza neste local, está relacionada com a alteração do curso do rio Mondego. Há muitos séculos atrás, o curso do rio Mondego era diferente e era aqui que o rio desaguava, ou seja, o mar chegaria perto de Montemor-o-Velho. Ao longos dos tempos o curso do rio foi modificando e o mar recuando deixando os campos do Mondego alagados e com condições ótimas para a agricultura. É por este motivo que ainda hoje esses campos alagam com facilidade.
Dica de Viagem: Saindo de Montemor-o-Velho devem seguir a N111 para a Figueira da Foz ou então entram na A14 se preferirem um percurso mais rápido. Nós damos preferência à N111.
3. Fortaleza de Buarcos (Figueira da Foz)
A Fortaleza de Buarcos, localizada na parte norte da cidade da Figueira da Foz, foi construída como reforço defensivo, aproveitando um ponto elevado, na época, como uma atalaia privilegiada para o alerta de piratas mouros.
Dica de Viagem: Depois de Buarcos devem seguir a marginal da Figueira da Foz até à Gala, passando junto das salinas e do porto da Figueira da Foz. Na rotunda da Gala, logo a seguir à Ponte, devem seguir a N109 em direção a Leiria. Durante o percurso e antes de chegar ao Louriçal, devem virar à esquerda para Matas do Louriçal e depois para Paião. Existem placas indicativas de Seiça.
4. Mosteiro de Seiça
No fundo o mosteiro de Seiça não está diretamente relacionado com a linha defensiva do Mondego, mas foi "testemunha" desses tempos ávidos da nacionalidade. O mosteiro atualmente pertence à Câmara Municipal da Figueira da Foz, contudo encontra-se muito degradado e quase abandonado.
Mosteiro de Seiça |
Os primeiros registos falam-nos que talvez tenha sido fundado em 1162 como um convento beneditino, relacionado com a Abadia de Alcobaça. O seu nome foi herdado da ribeira que corre ao lado do mosteiro, a Ribeira de Seiça. Em 1175 D. Afonso Henriques emite a carta de doação de couto a Paio Egas, abade de Santa Maria de Seiça, época que coincide com o crescimento da Ordem de Cister em Portugal.
Vista aérea do Mosteiro de Seiça |
No reinado do rei D. Sancho I este mosteiro foi doado ao Mosteiro Santa Maria de Alcobaça, em 1195, ao qual ficou oficialmente filiado, recebendo uma comunidade de "monges brancos". Contudo, a relação com a sua "casa-mãe" não estava a correr muito bem e em 1555 o rei D. João III suprimiu os bens do mosteiro entregando-os à Ordem de Cristo. O Mosteiro de Seiça perdeu autonomia e alguma riqueza e foi passando de mão em mão até que em 1672 acontecem algumas reformas e a igreja medieval é demolida e é construída outra que corresponde a que nós conhecemos atualmente. Devido à sua proximidade com o Colégio de Santa Cruz de Coimbra, o Mosteiro de Santa Maria de Seiça acabou por ser convertido num centro de estudos filosóficos. Com a extinção das ordens religiosas no século XIX, o mosteiro acabou por ser vendido a particulares, sendo comprado em 1911 pelo seu ultimo proprietário privado, que converteu a igreja numa unidade industrial de descasque de arroz a qual laborou até 1976. Pode-se imaginar o que aconteceu a todo o património existente neste mosteiro!
Capela de Nossa Senhora de Seiça
A capela está localizada em frente ao mosteiro, trata-se de um templo pequeno e independente do mosteiro. A sua construção está relacionada com uma lenda, no ano 850. Reza a lenda que os mouros haviam cercado a povoação de Montemor-o-Velho e que o seu defensor o Abade João do Mosteiro do Lorvão (Coimbra), com o apoio de alguns cristãos conseguiu expulsá-los até Seiça onde acabou por os derrotar. Com esta vitoria cristã e em ação de graças, foi mandada erigir uma capela em honra de Nossa Senhora de Seiça. A capela atual foi construída em 1602, uma vez que a original ruiu em 1590.
Dica de Viagem: Sugerimos que regressem na mesma estrada em direção ao Louriçal e a partir daí seguirem no IC8 até Pombal.
5. Castelo de Pombal
O Castelo de Pombal foi mandado erigir no século XII, no ano de 1156, sob o comando do mestre templário D. Gualdim Pais, integrando o castelo na linha defensiva do Mondego. Trata-se de primeira grande obra dos templários em Portugal, com a introdução de inovações na arquitetura militar, erguendo-se como sentinela vigilante sobre as principais vias de circulação do reino.
Entrada principal do Castelo de Pombal |
Sofreu obras de ampliação no reinado de D. Sancho I e voltou a sofrer alterações no reinado de D. Manuel I, chegando a ser residência dos alcaides-mores de Pombal. Mais tarde foi devastado pelas tropas francesas aquando a 3º invasão.
6. Castelo de Soure
O Castelo de Soure, localizado em Soure, é o castelo de menor altitude de construção de todo o conjunto da linha defensiva. Contudo, representava uma importante linha defensiva por se encontrar na confluência de dois rios, o Arunca e o Anços, afluentes do Mondego e navegáveis na Idade Média, utilizados como fossos naturais. suficientes para a defesa de um castelo de baixa cota.
Castelo de Soure |
Mandado erguer por D. Sesnando Davides no século XI, de forma simples e retangular. A sua eficiência na defesa de Coimbra caiu um pouco por terra quando, em 1116, uma invasão almorávida obrigou a população a destruir bens e construções para depois fugir para Coimbra, abandonando Soure. O repovoamento de Soure começou em 1128, coma construção da Igreja de Santa Maria de Finisterra e quando D. Teresa doa o castelo à Ordem dos Templários, que o reconstruiu e o transformou na primeira "casa-mãe" portuguesa desta ordem. D. Gualdim Pais, o mestre dos templários, foi a grande cabeça deste projeto. Em 1319 o castelo passou para a Ordem de Cristo a mando do rei D. Dinis.
Em Soure termina a rota da linha defensiva da parte mais ocidental.
Dia 2
O segundo dia será dedicado à parte mais interior da região do Mondego e dos seus afluentes. Condeixa não faz parte da linha defensiva, mas irá fazer parte do percurso desta parte da rota.
1. Condeixa (Ruínas de Conímbriga)
Condeixa é o berço da civilização da região do Mondego. As Ruínas Romanas da antiga cidade de Conímbriga é uma verdadeira viagem no tempo ao Império Romano. Se tiverem tempo poderão aproveitar para visitar as ruínas, tendo em consideração que aos domingos até às 14h as visitas são gratuitas para cidadãos nacionais.
Dica de Viagem: A partir de Condeixa basta seguir pelo IC3 em direção a Penela, sendo que antes de chegar a Penela devem virar à direita seguindo as placas indicativas do Castelo de Germanelo. A certa altura têm necessidade de entrar numa estrada de terra batida. Podem seguir essa estrada de terra de carro ou a pé. Nós quando visitámos este castelo percorremos a estrada e deixámos o carro no pequeno largo junto ao acesso do castelo.
2. Castelo de Germanelo
O território circundante do Castelo de Germanelo era uma zona de passagem, uma vez que ali perto passaria uma importante via que ligava Lisboa a Braga, criada ainda na época do Império Romano. Os castelos e atalaias vizinhas não ofereciam a proteção necessária para suster as frequentes investidas muçulmanas, que vindas do sul utilizavam este troço da estrada de Coimbra para atacar a cidade.
Vale do Rabaçal |
Assim, após a reconquista de Leiria e a atribuição de carta de foral a Penela, D. Afonso Henriques em 1142 edifica a meio caminho entre Penela e o Rabaçal, o Castelo de Germanelo, procurando assegurar a segurança dos cristãos que utilizavam a via e que se foram fixando no vale. O castelo seria de arquitetura militar simples e irregular. A atual muralha foi reconstruída no século XX pelo proprietário do terreno, que o terá comprado com o castelo em ruínas.
3. Castelo de Penela
A reconquista definitiva de Coimbra, em 1064, contribuiu para um papel decisivo desta fortificação na linha defensiva, face à sua posição estratégica na entrada que ligava o baixo-Mondego a Pombal e a Santarém. A parte mais antiga e erguida no topo mais alto do afloramento rochoso foi construída no tempo de D. Sesnando Davides no século XI, responsável também pelo povoamento de Penela.
Entrada do Castelo de Penela |
Mais tarde o castelo sofreu obras de ampliação a mando do rei D. Afonso Henriques. A vila recebeu foral em 1137. Em 1408 D. João I doa o castelo ao seu filho, D. Pedro, a quem se deve a renovação da Igreja de São Miguel e a construção de um Paço no interior do castelo.
Igreja de São Miguel |
Atalaia do Castelo na Linha Defensiva do Mondego |
Penela é uma vila encantadora, onde anualmente acontece uma das mais famosas feiras medievais do país e em Dezembro a Vila Natal.
Dica de Viagem: Depois de visitarem Penela sugerimos que sigam o IC3 e depois sigam pela A13 para Miranda do Corvo. Em alternativa, caso não queiram circular em autoestradas, podem seguir pela N17.
4. Miranda do Corvo
Atualmente em Miranda do Corvo não existe vestígios evidentes do castelo, contudo sabe-se que existiu aqui uma atalaia (torre) em 998 e que em 1136, D Afonso Henriques atribui carta de foral à vila, altura em que já existiria o castelo. No lugar da antiga torre, hoje ergue-se a torre campanário da igreja matriz, à qual o povo chamou de Alto do Calvário.
5. Castelo da Lousã
Até ao século XIV, chamar-se-ia Castelo de Arouce, foi remodelado por D. Sesmando Davides, governador dos territórios a sul do rio Douro após a conquista definitiva de Coimbra em 1064. O povoamento desta região aconteceu por impulso deste governador. O Castelo de Arouce, mais tarde Castelo da Lousã, foi construído em posição defensiva e dominante na margem direita do rio Arouce, um dos afluentes do Mondego.
Burgo - Castelo da Lousã |
Sabe-se que o Castelo de Arouce já existia em 943, ano em que foi assinado um contrato entre o Abade do Mosteiro de Lorvão e o Moçárabe Zuleima Abaind.
No morro paralelo ao do castelo existe a Ermida de Nossa Senhora da Piedade, a qual aconselhamos a subam a escadaria para que possam apreciar melhor o castelo.
Aqui terminamos a Rota da Linha Defensiva do Mondego, sendo que poderão regressar a Coimbra, seguindo pela estrada N17. Este roteiro intercepta-se com outros roteiros, igualmente interessantes, contudo decidimos reunir apenas os locais pertencentes ao conjunto da linha, como uma viagem pela Historia de Portugal.
Se tiverem tempo e quiserem explorar melhor esta região, sugerimos que a partir daqui percorram o nosso roteiro das Aldeias de Xisto da Serra da Lousã.
Outros artigos relacionados: