Uma vila-museu no Alentejo
Roteiro para um ou dois dias!
A vila de Mértola, localizada no baixo Alentejo, rodeada por serras ricas em ouro, estanho e zinco, apresenta-se tranquila e majestosamente no cimo de um penhasco sobranceiro ao rio Guadiana, que serviria de ligação directa ao mar mediterrâneo. Mértola deve o apelido de Vila-Museu à sua antiquíssima historia e à presença de achados arqueológicos únicos na Península Ibérica. A primeira ocupação humana desta região remonta os tempos pré-históricos.
A Porta do Sul
O rio Guadiana é o verdadeiro protagonista de Mértola, pois foi graças à facilidade de navegação nas suas águas e o facto de ser uma "porta" para o mediterrâneo que fez de Mértola um importante entreposto comercial. Sabe-se que no século XI a. C. já aqui se faziam trocas comerciais entre povos, nomeadamente fenícios e cartagineses. Era muito mais fácil transportar grandes mercadorias pelo rio Guadiana do que através do transporte terrestre, ou percorrer a costa do Algarve e Alentejo até Lisboa e navegar pelo Tejo. Os mármores extraídos de outras zonas do império romano utilizados nas construções da Península Ibérica muito provavelmente foram transportados pelo rio Guadiana. Este factor comercial torna Mértola num local com gente de muitos lugares, nomeadamente gregos e judeus, conforme revelam algumas lápides funerárias encontradas na região.
Só por curiosidade!
O Porto de Mértola estaria localizado na margem direita do rio Guadiana e inicialmente, não teria um cais, ou seja, os barcos embicavam na praia. O caminho que dava acesso à Porta da Cidade, chamada de Porta da Ribeira, iniciava-se no local onde a Ribeira de Oeiras se junta ao rio Guadiana. Deste porto sairiam diversos produtos para todo mundo mediterrâneo, tais como cereais e azeite.
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Torre do Rio
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Mais tarde, aquando a invasão da Península Ibérica pelos romanos, foi aqui construída a primeira fortaleza e passou a chamar-se Myrtilis Iulia. Após a queda do império romano, Mértola caiu nas mãos de suevos e visigodos, responsáveis pelas primeiras construções cristãs de Mértola. No século VIII foi dominada por muçulmanos. Após a queda do califado de Córdoba em 1031, Mértola tornou-se num reino independente, assumindo-se como Taífa de Mértola no al-Andaluz.
Percorrer as ruas de Mértola é vivenciar a história de um passado glorioso. O porto fluvial de Mértola chegou a ser um dos mais importantes da Europa mediterrânea na época.
Ruas estreitas e empedradas relembram-nos as medinas típicas das cidades islâmicas, a mesquita que se tornou em igreja, o castelo que durante séculos defendeu e se deixou conquistar por diversos povos, de culturas e línguas diferentes.
Mértola é um museu a céu aberto e por este motivo em qualquer local da vila que se escave algum artefacto se encontra. Essas peças arqueológicas foram distribuídas pelos vários núcleos arqueológicos existentes na vila. Assim, é possível visitar uma série de museus, alguns localizados no próprio monumento, que nos contam como foi Mértola no passado.
Este roteiro foi elaborado mediante a nossa experiencial pessoal.
1. Castelo de Mértola
O actual castelo é de construção medieval, embora tenha sido construído sob antigas fortificações dos períodos romano e muçulmano. A partir do século VIII passou a ser dominado por muçulmanos que haviam conquistado Mértola e foram os responsáveis pela remodelação da estrutura defensiva. O castelo mouro foi consolidado nos finais do século IX (930-1031). Apesar de conservar vestígios Omíadas e Almóadas, o castelo apresenta uma estrutura gótica resultante de uma grande campanha de remodelação promovida pela Ordem de Santiago, no final do século XIII.
Na entrada do castelo somos presenteados com a figura do Senhor de Mértola, Ibn Qasi, que governou esta terra moura de 1144 a 1147.
Quem foi Ibn Qasi?
Abu I-Qâsim Ahmad Ibn al-Husayn Ibn Qasi, terá nascido em Silves e era descendente de famílias muladis, que são cristãos convertidos ao islamismo e de origem no al-Andaluz. A certa altura da sua vida, Qasi iniciou o seu caminho no sufismo, despojando-se de todos os seus bens, chegando a ser reconhecido como Iman da sua comunidade. Tomou posse do domínio de Mértola a 14 de Agosto de 1144, e mais que Iman, proclamou-se Mahdi, ou seja, líder de um novo reino guiado por Deus. Após algumas desavenças com os seus compatriotas Ibn Wazir governador de Évora e Beja e Ibn al-Mundhir, governador de Silves, procura aliar-se ao rei D. Afonso Henriques, entretanto famoso inimigo islâmico que já havia conquistado Lisboa. Esta "mudança de lado" valeu-lhe a morte, quando em 1147, foi assassinado.
2. Igreja Matriz de Mértola (Igreja-Mesquita)
A igreja Matriz, ou Igreja de Nossa Senhora da Assunção ou Nossa Senhora da Entrevinhas, e para nós Igreja-Mesquita é um dos mais místicos templos de Mértola e talvez de Portugal. A estrutura actual é do século XVI, à semelhança de outros templos alentejanos da mesma época, como por exemplo a Ermida de São Brás em Évora. Contudo esta igreja tem muito mais para nos contar.
Neste mesmo lugar existiu primitivamente um templo romano, talvez de culto imperial, como revelam um conjunto de estátuas aqui encontradas e hoje expostas num dos núcleos do Museu de Mértola. As colunas do templo foram posteriormente reaproveitadas para a construção de uma pequena igreja do século VI, construída pelos primeiros cristãos, os mesmo que construíram os batistérios localizados no campo arqueológico junto à igreja. No século XII, sob o domínio muçulmano, houve grandes alterações que transformaram o pequeno templo numa mesquita, mantendo a floresta de colunas romanas, alterando apenas o telhado e construindo um enorme minarete, que já não existe. Após reconquista cristã, os novos senhores de Mértola respeitaram o espaço sagrado e, em 1228 a mando da Ordem de Santiago, o espaço foi convertido num templo cristão, curiosamente mantendo o altar mor junto do mihrab islâmico. Mudam-se as filosofias, as crenças mas o lugar continua a ser sagrado e respeitado pelos diferentes povos. Deus é Deus e os Homens são os Homens!
Dica de viagem: Existe um Núcleo Museológico do Museu de Mértola junto da Igreja, que comprova a história do templo ao longo dos séculos de ocupação dos diversos povos.
3. Campo Arqueológico de Mértola
Localizado entre a Igreja-Mesquita e o Castelo encontra-se o Campo Arqueológico de Mértola que começou a ser escavado nos anos 80. Para além de uma cisterna com 6 metros de altura e cerca de 30 metros de comprimento, foram encontrados dois exemplares magníficos de batistérios construídos no século XV, após a queda do império romano e antes dos mouros chegarem a Mértola. O batistério era o local onde se baptizavam as pessoas, quando o ritual implicava um banho de imersão, e eram construções de uma envergadura considerável, com tectos abobadados e muito coloridos, ao contrario do que possa parecer.
Esta parte da vila teria sido ocupado pela acrópole romana e onde continuou a ser o local do poder cívico da cidade. No mundo paleocristão esta seria a parte episcopal, sabe-se que haveria aqui um paço episcopal, daí a existência destes batistérios.
A visita começa com uma réplica do que seria uma casa islâmica na época de Mértola almorávida.
4. Museu de Mértola
O Museu de Mértola é constituído por vários núcleos espalhados pela vila. Alguns estão incluídos no próprio monumento enquanto que outros são verdadeiras surpresas. Assim, sugerimos que visitem:
- Casa Romana, localizada na cave do edifício da Câmara Municipal
- Igreja Paleocristã
- Museu de Arte Sacra
- Museu de Arte Islâmica
- Casa de Mértola, localizado junto ao posto de turismo de Mértola
Existem muitos mais núcleos que acabarão por encontrar durante a vossa caminhada pelas ruas de Mértola. |
Museu de Mértola |
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Museu de Mértola - Igreja Paleocristã
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5. Torre do Relógio
A singela Torre do Relógio implantada na muralha da vila foi construída no século XVI num dos torreões da muralha.
6. Azenhas do Guadiana
Plantadas a norte de Mértola, em pleno rio Guadiana, ainda se conservam algumas azenhas que, durante séculos, serviram para transformar os cereais em farinha. Actualmente encontram-se desactivadas, mantendo a memoria do passado.
7. Passeio de Barco pelo Guadiana
Sugerimos que considerem em fazer um pequeno passeio de barco pelo Guadiana.
Dica de Viagem: Para fazer o passeio foi necessária marcação prévia que pode ser feita no Hotel Museu, ao qual está concessionado os passeios de barco.
Se visitarem Mértola no Verão, para além do passeio de barcos, sugerimos que aproveitem para dar um mergulho e desfrutar de uma tarde de sol na praia fluvial das Azenhas de Mértola.
Ao visitarmos Mértola conseguimos perceber melhor o motivo que levou este povo paleocristão a converter-se ao Islão. Após a queda do império romano, a comunidade paleocristã que aqui vivia discordava com a crença católica, ligada a Roma, considerando que a santíssima trindade era uma ideologia politeísta, ao contrário da crença monofisista proclamada por eles próprios. Ao conhecerem um outro povo, monoteísta, com ideias semelhantes e que adoravam um único Deus abstracto e único, acabaram por sucumbir às tradições islâmicas e iniciaram o processo de conversão. Este processo aconteceu noutras regiões do al-Andaluz.
8. Minas de São Domingos
A Mina de São Domingos está localizada a cerca de 18 km a Este de Mértola, percorrendo a estrada N265.
A Mina de São Domingos foi descoberta no século XIX, contudo há registo de terem sido exploradas antes do calcolítico e mais tarde pelos romanos.
Os principais elementos extraídos durante a exploração moderna, entre 1854 e 1966 foram o cobre, zinco e enxofre. No final da década de 50 a exploração destes metais começou a diminuir, contribuindo para o seu encerramento definitivo em 1965.
Actualmente é um local visitado pelos curiosos e amantes de geologia e de caminhadas. Existe um percurso pedestre, circular com cerca de 14 Km, que permite conhecer todo o circuito do minério inclusivamente as rotas utilizadas no contrabando destes metais, PR 10 - Rota do Minério, começa e termina na aldeia da Mina de São Domingos. Sugerimos ainda uma visita à Casa do Mineiro, um núcleo que pertence ao Museu de Mértola localizado na aldeia da Mina de São Domingos.
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