Uma visita guiada ao Mosteiro de São João de Tarouca
Localizado no Vale do Varosa, na margem esquerda do rio Varosa, afluente do rio Douro, está implantado o Mosteiro de São João de Tarouca, desde o inicio do século XII. Terá sido esta comunidade monástica a integrar a Ordem de Cister e por sua vez a edificar o primeiro mosteiro cisterciense em território português, no ainda Condado Portucalense. Na época, o Mosteiro de São João de Tarouca foi um imprescindível aliado de D. Afonso Henriques, que viria a ser o primeiro rei de Portugal.
D. Afonso Henriques doou e delimitou o couto do Mosteiro de São João de Tarouca em 1140, contudo a sua construção só foi iniciada em 1154. Os cistercienses privilegiavam a fixação dos seus mosteiros em vales férteis, junto a linhas de água e afastados de aglomerados urbanos, indo ao encontro dos princípios de recolhimento espiritual e austeridade defendida pela regra beneditina. Contudo, em São João de Tarouca já existiria um burgo na margem esquerda do rio Varosa o que acabou por ser vantajoso, pois essa população serviu de mão de obra externa necessária no apoio à exploração agrícola das propriedades do mosteiro. Essa necessidade de mão de obra contribuiu ainda para o aumento populacional da aldeia do Couto, fundamental para o crescimento económico da região e garantia de segurança da própria comunidade.
Para além do rio Varosa, naquele fértil vale correm mais duas ribeiras, a do Corgo da Cerca e a do Corgo do Pinheiro. Estas duas linhas de água unem-se já no interior do espaço monástico, formando aí uma só ribeira, popularmente designada como Ribeira do Corgo e que desagua diretamente no rio Varosa.
Todos os mosteiros da Ordem de Cister teriam de estar ligados a uma casa-mãe da ordem, e uma vez que o Mosteiro de São João de Tarouca seria dos primeiros "filhos" da ordem, a este coube obediência ao Mosteiro de Claraval, tendo à época como Abade D. Bernardo de Claraval, aquele que viria a ser São Bernardo. Desta casa-mãe, foram enviado doze monges para São João de Tarouca, como preconizado pelos princípios da Ordem de Cister, trazendo consigo o conhecimento e o hábito da prática da regra e constituindo desta forma o núcleo inicial da comunidade monástica que aí de fundou.
Por norma os mosteiros cistercienses deveriam ser consagrados à Virgem e não a santos, contudo pensa-se que o Mosteiro de São João de Tarouca terá sido fundado no mesmo local onde já existiria uma pequena comunidade monástica, o que era bastante comum acontecer, o que justificaria a sua fundação original em honra de São João Batista. Durante os séculos XII e XIII, o Mosteiro de São João de Tarouca constituiu um dos principais símbolos da Ordem de Cister em Portugal, tendo sido da sua responsabilidade a filiação de outros mosteiros cistercienses, nomeadamente o Mosteiro de São Pedro das Águias, em Távora (Tabuaço) e o Mosteiro de Santa Maria de Aguiar em Castelo Rodrigo (Guarda).
O couto do Mosteiro de São João de Tarouca atinge um vasto território que se estende até ao mar. Inicialmente sediará as suas primeiras três granjas , São Salvador, Souto Redondo e Brufe, constituindo unidades agrícolas cistercienses inicialmente concebidas para a exploração direta dos monges conversos. A existência de granjas junto à costa, como é o caso da granja de Aveiro, está relacionada com a obtenção de peixe e sal, sendo a exploração das salinas uma atividade que assume grande importância durante a Idade Média.
Só por curiosidade!
Na base da organização e hierarquia monástica estão o trabalho e oração (ora et labora), no retorno da mais estreita observância da Regra Beneditina. Neste contexto de uma logica de vivencia no espaço monástico, num quotidiano onde o espiritual e o material se corporalizam na comunidade monástica, evidenciam uma hierarquização entre dois grupos de monges, que vivem com funções e ritos diferentes. Desta forma, encontramos monges professos e os monges conversos. Os monges conversos, ou barbati eram os que assumiam funções quotidianas e trabalho braçal, em contrapartida os monges professos eram os que se encarregavam da vida monástica, ritos religiosos e vida de clausura. Estes monges conversos eram camponeses que se convertiam à ordem e trabalhariam nas granjas do mosteiro, contribuindo para o sucesso económico da ordem. Embora vocacionados para tarefas domesticas, estes monges também participavam na espiritualidade do mosteiro, contudo era-lhes vedada a possibilidade de se tornarem monges professos e o acesso à alfabetização. O monges conversos estavam privados do direito ao voto, apenas poderiam assistir a leitura da Regra de São Bento a partir do claustro, e só entravam na Sala do Capítulo duas vezes na sua vida, a primeira era aquando a entrada no noviciado e a segunda no dia em que professavam a Regra e se tornavam monges. Escusado será dizer que os monges professos seriam oriundos de famílias abastadas e muitas vezes de membros da nobreza. Dentro do complexo monástico, estes terão dormitórios e refeitórios distintos, bem como entradas especificas para cada um dos grupos.
Os monges cistercienses usavam um habito branco, em contraste com os monges clunienses que usavam o habito preto. Os monges professos teriam que desfazer a barba, ao contrário dos monges conversos que poderiam usar a barba grande, chamados de barbati. Esta designação também era dada a homens do povo que usavam barba grande.
Dica de Viagem: A visita às ruinas dos Mosteiro e ao pequeno núcleo museológico é paga, contudo a igreja é de visita livre e gratuita. Podem comprar o vosso bilhete no centro interpretativo do mosteiro ou, se tiverem interesse, podem optar pelo bilhete do conjunto do Vale do Varosa que vos permite entrar em cinco monumentos da região e no Museu de Lamego. Feitas as contas compensa bastante. Esse bilhete tem que ser adquirido no Museu de Lamego. As tarifas e os horários podem ser consultados no Site do Museu de Lamego.
Por onde Começar!
A visita inicia-se no centro interpretativo do Mosteiro de São João de Tarouca, onde o visitante assiste a um magnifico filme que explica um pouco do contexto histórico do mosteiro bem como a organização e funcionamento do mesmo. O edifício onde se encontram estas instalações serviu como tulha do mosteiro, e por esse motivo hoje se chama de Casa da Tulha.
1. Casa da Tulha
No centro de interpretação Casa da Tulha possui um importante espólio encontrado nas escavações das ruínas do mosteiro. Um dos objetos mais questionáveis são um anel encontrado numa das paredes da sala do capitulo, que se destaca por ter uma oração gravada.
2. Igreja
A igreja era palco de momentos de grande intensidade mística, sendo de uso exclusivo da comunidade monástica. Na época seria uma igreja muito pouco ornamentada e onde se verifica a dicotomia entre monges. Os monges professos entravam na igreja pela Porta dos Monges, que dava acesso direto ao claustro e assistiam aos rituais junto ao transepto. Os monges conversos entravam pela Porta dos Conversos, localizada do lado esquerdo da fachada a igreja e instalavam-se aos pés do transepto.
A igreja do Mosteiro assume também a função de mausoléu, uma vez que o tumulo de D. Pedro Afonso de Portugal, 3º Conde de Barcelos se encontra nesta igreja. D. Pedro Afonso era filho natural do rei D. Dinis e talvez de Grácia Froes. Terá falecido em Lamego, tendo sido o seu corpo transladado para o Mosteiro de São João de Tarouca. Como era bastante comum na Idade Média, o caminho que o corpo percorreu até São João de Tarouca foi assinalado com a construção de um memorial com três arcos. Este memorial encontra-se a escassos quilómetros de Tarouca.
3. Porta do Carro
A Porta do Carro seria a porta principal do mosteiro, onde o Monge Porteiro faz a ponte entre o mundo sagrado e mundo profano, sendo o local onde entravam os carros de bois que transportavam os alimentos destinadas ao celeiro. O Monge Carroceiro é o monge converso responsável pelos meios de transporte da abadia.
Depois de entrar no mosteiro, do lado direito junto da entrada localiza-se o celeiro. Logo a seguir a cozinha, com ligação entre o celeiro e o refeitório dos monges professos. Do lado esquerdo, seria a ala dos monges conversos, onde está localizado o refeitório dos conversos.
4. Celeiro
Este compartimento assumia a função de uma espécie de anexo à cozinha, o qual chamaríamos no nossos dias de "dispensa".
5. Cozinha
A cozinha tinha ligação direta para o celeiro e para o refeitório dos monges professos. Existiria um vão de escoamento de lixo que escorria para a ribeira, o que permite hoje saber, através do estudo arqueobotânico, que alimentos faziam parte da dieta dos monges.
6. Refeitório dos monges (Professos)
Os monges professos comiam juntos no refeitório estrategicamente construído em frente ao Lavabo do claustro, onde os monges procediam a higienização das mãos antes das refeições. Por motivos funcionais, tinha ligação com a cozinha através de um vão de passagem de alimentos e utensílios. O refeitório era um espaço de silencio, apenas interrompido pela continua oração, lida a partir do parlatorium, em que semanalmente um monge era denominado Leitor e responsável pela leitura das Sagradas Escrituras.
7. Calefactorium
O Calefactorium seria a única sala aquecida do mosteiro e para tal, possuía uma enorme lareira. Era o local onde eram admitidos os doentes e onde se iniciou a botica do mosteiro. O monge boticário, conhecedor da utilização das plantas medicinais, bem como das purgas e das sangrias, ocupava-se do cuidado dos doentes. O Scriptorium estaria localizado junto ao Calefactorium, porque os monges copistas recorriam com frequência a este espaço para o seu exercício nos períodos mais frios do ano.
8. Refeitório dos Conversos
9. Claustro Principal
O claustro era o coração do mosteiro, onde a vida monástica se desenrolava. Era um local de oração, silencio, meditação e contemplação, onde a clausura se confrontava com o contacto com a natureza. No centro do claustro existia um jardim e uma fonte de água como significado de vida e de renovação.
A Porta dos Monges permitia o acesso direto da igreja ao claustro, o tímpano da porta encontra-se exposto no museu da Casa da Tulha.
10. Sala do Capítulo e Locutorium
O Locutorium era o local onde se discutiam assuntos relacionados com a administração e gestão do mosteiro. Em regra, era onde se encontrava o Prior do mosteiro, monge que se seguia ao abade na hierarquia monástica.
A Sala do Capítulo era o local onde se discutiam os assuntos religiosos. Assim denominada por diariamente ali ser lido um capítulo da Regra de São Bento. Esta sala seria o espaço mais importante do complexo monástico logo depois da igreja, abrindo-se ao claustro através de uma ampla porta que seria ladeada por duas janelas geminadas. O abade sentava-se centralmente enquanto os monges professos se sentavam ao longo de um banco que contorna a sala. Era no chão da Sala do Capítulo os abades tinham o privilégio de ser sepultados.
11. Pátio da Bola
12. Latrinas
As latrinas é a obra de engenharia mais peculiar do mosteiro. Foram construídas sobre um canal de água corrente que os monges desviaram da ribeira de forma a possibilitar o saneamento. O fluxo constante de água era uma obrigatoriedade, mantendo limpo um lugar de difícil acesso.
13. Dormitórios
Na ala dos monges professos ainda subsistem as ruinas do dormitórios do século XVIII. Contudo, existiam mais dormitórios no piso superior de toda a ala, junto á igreja. As celas eram separadas com divisórias em madeira.
A cima dos dormitórios, na encosta da colina, ainda se mantem a horta monástica, o lagar de vinho, e duas capelas, a de Santo António e a de Santa Umbelina. A subida é ingreme mas vale pela paisagem.
14. Horta Monástica
15. Capela de Santo António
16. Lagar Vínico
17. Capela de Santa Umbelina
Após a extinção das ordens religiosas em Portugal em 1834, todos os documentos do Mosteiro de São João de Tarouca foram levados para o seminário de Viseu. Contudo, um incendio em 1841 acabou por destruir todos esses documentos que seriam de extrema importância para a historia da Ordem de Cister em Portugal. Na ausência dessa documentação, a arqueologia assumiu um papel de extrema importância, tendo em conta o aproveitamento do mosteiro como pedreira que levou ao total desmantelamento das suas dependências medievais. Desde 1998, o estudo arqueológico tomou conta do mosteiro e possibilitou o seu estudo colocando-o novamente na historia de Portugal.
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